Na venda do apartamento, quem paga as obras em curso?


Aquando da aquisição de um apartamento usado é elementar que o novo proprietário seja cauteloso e proceda à recolha de informação, junto da administração do condomínio, referente à existência de prestações em dívida ao condomínio.


A questão de saber sobre quem recai a responsabilidade pelo pagamento das despesas de condomínio anteriores à aquisição na sequência da alienação de uma fração autónoma tem gerado grande controvérsia quer na doutrina quer na jurisprudência, visto que o artigo 1424º, nº 1 do Código Civil, que estipula que “salvo disposição legal em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações”, não refere  se estas despesas são cobradas ao condómino que tinha essa qualidade no momento do vencimento da obrigação de pagamento ou se são cobradas aos novos proprietários da fração.


A obrigação constante do artigo 1424.º n.º 1 do C.C. - responsabilidade pelo pagamento das despesas de condomínio - constitui uma obrigação propter rem, ou seja, uma obrigação que é inerente à coisa em si – neste caso, à fração de um prédio – e não à pessoa do seu proprietário.


Sobre esta matéria existem 2 posições:


Há quem entenda que não obstante as obrigações contempladas no artigo 1424.º n.º 1 do C.C. constituírem obrigações propter rem, em caso de transmissão do direito de propriedade sobre a fração, as despesas são da responsabilidade do transmitente, desde que seja o titular do direito real sobre a coisa à data da sua constituição. Pelo que, o novo condómino não fica sujeito à obrigação de pagar as despesas de condomínio ou de conservação do imóvel em dívida, apenas respondendo pelas que se vençam após a aquisição da fração autónoma.


Outros entendem que toda e qualquer obrigação propter rem, ou obrigação real, tem as características que lhe são próprias, e que as definem, como é o caso da “ambulatoriedade”, pelo que a titularidade da divida é determinada pela titularidade do direito real de propriedade, no sentido de que a transmissão do direito real de cuja natureza a obrigação emerge implica automaticamente a transmissão desta para o novo titular, ainda que o nascimento da obrigação seja anterior a essa titularidade.


Todavia, cada uma das situações terá de ser analisada casuisticamente, uma vez que há hipóteses juridicamente distintas.


Vejamos algumas delas:


No que respeita às obrigações que decorrem do uso normal do bem, tendo como contrapartida a quota paga ao condomínio, em regra, mensalmente, para fazer face às despesas com a limpeza das partes comuns, manutenção geral e custos de administração é uma obrigação ob rem ou propter rem de dare, não ambulatória, já que, apesar da sua ligação ao direito real, não o acompanha em caso de transmissão (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-02-2006 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-11-2006).


Já no que se prende com as obrigações que impliquem melhorias, alterações, reparações das partes comuns do edifício em propriedade horizontal é necessário ter em consideração que se entre a deliberação de realizar as obras e a conclusão da respetiva empreitada, mas antes de determinado condómino pagar a parte que lhe compete, proceder o condómino à transmissão da sua fração, será o novo condómino o responsável pela liquidação da parte do preço imputado à fração de que é titular, salvo acordo em contrário entre vendedor e comprador ou compromisso do vendedor. Neste caso considera-se que esta obrigação propter rem tem como característica a “ambulatoriedade”, no sentido de que a transmissão do direito real de cuja natureza a obrigação emerge implica automaticamente a transmissão desta para o novo titular (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-02-2006).


Questão diferente é a de saber se realizadas obras e fixado pelo vendedor o preço da venda da fração autónoma, em que se toma em consideração o aumento do valor do imóvel resultante das mencionadas obras, aceitando o comprador o respetivo preço, a quem incumbe a responsabilidade pela dívida? Neste caso, o valor da divida não se transmite ao novo proprietário, pois caso contrário estaria o mesmo a pagar duas vezes o valor das obras (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 29-04-2004). Igualmente e sempre que as obras sejam realizadas antes da escritura e mesmo que o pagamento das mesmas se encontre diferido no tempo por meio de prestações, entende-se que as dívidas são da responsabilidade do alienante da fração autónoma, uma vez que a dívida se reporta ao tempo em que o alienante habitou a fração, tendo usufruído e beneficiado da mesma, pelo que seria injusto fazê-las recair sobre o adquirente da fração (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Porto, de 24-10-2011).


A fim de se evitar litígios neste domínio, cumpre aconselhar os novos proprietários a prevenirem-se, devendo para tanto obter uma declaração do condomínio atestando a inexistência de quaisquer dívidas relativas às frações autónomas a adquirir, visto que a doutrina e a jurisprudência se acham divididas neste particular.