A procuração é o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos. Na outorga da procuração, o representado deve indicar o acto ou tipo de actos que o procurador fica legitimado a praticar. Contudo, nem sempre a lei se contenta com uma descrição mais ou menos vaga dos poderes representativos e há casos em que exige uma especial concretização dos mesmos. Vejamos alguns exemplos:
Um negócio para o qual não é suficiente uma procuração genérica é o negócio consigo mesmo, previsto no art. 261.º do Código Civil. Para que o negócio consigo mesmo seja válido, a procuração deve conter o consentimento do representado e especificar o negócio consigo mesmo que se consente.
O facto de um administrador, cumulativamente juntar as funções descritas no artº 1436º com um ou vários mandatos de procurador, pode perfeitamente suscitar suspeitas sobre a imparcialidade e intencionalidade dos votos do mesmo, pelo possível conflito de interesses em relação ao objecto de determinada discussão e deliberação. Dito de outro modo: parecendo notório esse conflito entre os interesses do condomínio (ex: aprovação das contas) e os interesses do administrador (ter as contas aprovadas), este deverá ser impedido de votar nas deliberações nos quais sejam visados os seus actos, isto é, se a AG quiser deliberar sobre os seus actos, este não pode votar para não influenciar com os mesmos, a aprovação de tais deliberações.
As situações susceptíveis de gerar conflito ou colisão de interesses, caso em que o mandatário deve ser impedido de votar, são variadas, v.g. aprovação das suas próprias contas, propor uma acção judicial contra si próprio, aprovar a instauração de uma acção executiva para cobrança das quantias devidas ao condomínio, nomeação e/ou exoneração do administrador (não será de todo razoável o condómino votar a sua própria exoneração das funções de administrador!), aprovar um contrato de prestação de serviços ao condomínio sendo ele o próprio o prestador, etc...
Se alguém votar favoravelmente um determinado assunto em que tenha interesse pessoal e directo (v.g. os anteriormente referidos), seja legítimo ou não, e o seu voto for determinante para a aprovação, tal deliberação deverá ser anulável. O impedimento de voto, nos termos preconizados, justifica-se plenamente, em situações extremas, para impedir que uma minoria cumpridora possa tornar-se refém de uma maioria incumpridora.
Seria também absurdo ou caricato um condómino devedor assumir as funções de administrador do condomínio (tendo o seu voto sido determinante para a eleição) sem que previamente regularizasse as contas com o condomínio, colocando-se assim numa situação algo caricata (de escusa, suspeição ou mesmo incompatibilidade) de, no exacto cumprimento das suas funções, poder ter de mover uma acção judicial a si próprio para cobrança de quotas em atraso...
Para além do disposto no artº 261.º do CC “Negócio consigo mesmo”, pode-se ainda aplicar o disposto no artº 176.º do CC, sob a epígrafe "Privação do direito de voto": 1 - O associado não pode votar, por si ou como representante de outrém, nas matérias em que haja conflito de interesses entre a associação e ele, seu cônjuge, ascendentes ou descentes. 2 - As deliberações tomadas com infracção do disposto no número anterior são anuláveis se o voto do associado impedido for essencial a existência da maioria necessária.
Este artigo é aplicável por força do artº 157.º do CC: "As disposições do presente capítulo são aplicáveis às associações que não tenham por fim o lucro económico dos associados, às fundações de interesse social, e ainda às sociedades, quando a analogia das situações o justifique". Efectivamente o artº 176.º do CC é aplicável analogicamente às sociedades civis, por força do disposto no artº 157.º do CC. O condomínio é um sujeito jurídico, a que se aplicam, subsidiariamente, em tudo o que não pressuponha a personalidade jurídica (o condomínio não tem personalidade jurídica; tem somente personalidade judiciária), as normas das associações. Logo, no regime da propriedade horizontal, é defensável a aplicação do impedimento de voto em caso de conflito de interesses. (cfr. art.º 176.º do CC). Tal impedimento de voto tem implícita a proibição de representação, isto é, dito de outro modo, o condómino impedido de votar não pode conceder a um suposto procurador ou representante um poder - o direito de voto - que não tem!