Aquisição de sótão por usucapião

O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que não é possível a aquisição por usucapião de um sótão que não tenha sido especificado como fração autónoma no título constitutivo da propriedade horizontal e ao qual se aceda apenas através de uma das divisões de uma das frações autónomas do prédio.

Uma mulher recorreu a tribunal pedindo para ser reconhecida como proprietária do sótão de um prédio, que havia adquirido por usucapião. Fê-lo alegando que era a antiga proprietária do prédio, antes deste ter sido constituído em propriedade horizontal, e que o sótão em causa só não tinha sido incluído na escritura de constituição da propriedade horizontal por não constar da descrição matricial, nem das plantas do imóvel, e que sempre o tinha ocupado e até dado de arrendamento a terceiros, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém.

Os proprietários da fração através da qual era feito o acesso ao sótão, e que tinham mudado a fechadura da porta de acesso ao mesmo, contestaram alegando que o sótão não constituía uma fração autónoma, antes se presumindo parte comum do prédio, ainda que afeta ao seu uso exclusivo, enquanto condóminos da fração contígua ao mesmo, sendo por isso insuscetível de aquisição a qualquer título.

O tribunal julgou a ação improcedente, decisão da qual a autora recorreu para o TRL que 
julgou improcedente o recurso ao decidir que não é possível a aquisição por usucapião de um sótão que não tenha sido especificado como fração autónoma no título constitutivo da propriedade horizontal e ao qual se aceda apenas através de uma das divisões de uma das frações autónomas do prédio.

Segundo a lei, apenas as frações que constituem unidades independentes, que sejam distintas e isoladas entre si, com uma saída própria para uma parte comum do prédio, ou para a via pública, podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal, estando ligadas entre si pela existência de partes comuns afetas ao uso de todas ou algumas unidades.

O que caracteriza o regime de propriedade horizontal é, assim, a fruição de um edifício por parcelas ou frações independentes, mediante a utilização de partes ou elementos afetos ao serviço do todo.

Para o efeito, são consideradas comuns todas as partes que no respetivo título de constituição de propriedade horizontal não tenham sido especificadas como frações autónomas e individualizadas, dividindo-se, então, em partes imperativamente comuns e em partes que se presumem comuns.

O sótão é parte comum de igual uso por todos os condóminos, ainda que com entrada exclusiva por um dos andares, a menos que o seu uso exclusivo tenha sido atribuído no título constitutivo da propriedade horizontal ao condómino por cuja fração se faz o acesso.

Não sendo, no entanto, parte imperativamente comum, nada impede que seja especificado como fração autónoma no título constitutivo da propriedade horizontal, ou objeto de aquisição por usucapião, desde que se trate de uma unidade distinta e independente, com acesso próprio e direto à via ou a parte comum do prédio.

Isto porque a aquisição por usucapião não se destina a dar cobertura a atos de clandestinidade ou a obter por via deste instituto aquilo que não poderia ser obtido por outra via.

Estando em causa um sótão que não foi especificado como fração autónoma no título constitutivo da propriedade horizontal e que nem consta como tal das plantas do imóvel, que não constitui uma unidade independente e autónoma, com acesso direto à via pública, sendo o acesso ao mesmo feito apenas através de uma das divisões de uma das frações autónomas do prédio, não pode o mesmo ser adquirido por usucapião, visto tratar-se de uma parte pertencente a outra fração autónoma, através da qual se lhe acede.

A usucapião só pode operar sobre frações autónomas, perfeitamente individualizadas no título constitutivo e nunca sobre partes delas. Como tal, não pode a autora pretender contornar a impossibilidade legal de erigir em fração autónoma o sótão e exercer o direito de propriedade exclusiva, quer sobre esses mesmo sótão, enquanto parte comum, quer sobre uma parte de outra fração autónoma, o que lhe está vedado por lei.